domingo, 24 de outubro de 2010

Santas Perpétua e Felicidade

O martírio foi a primeira forma de santidade a ser venerada na Igreja. E quando não houve mais mártires no sangue, mártires na ascese, vieram os monges por sua vez. Foram os monges que cunharam o dito que expressa o significado do martírio: 'dê seu sangue e receba o Espírito'. O martírio retorna.

Um mártir pode ser, à primeira vista, qualquer homem ou mulher. Mas quando eles são esmagados pelo sofrimento eles são identificados com o Cristo Crucificado, e o poder da ressurreição toma posse deles. 

Em relatos diretos compostos naquele tempo, sem embelezamento, no início do terceiro século, vemos uma jovem mulher cristã na prisão, gemendo dar à luz seu bebê (se uma mulher grávida fosse presa ela não era enviada para a morte senão depois do parto). O guardião caçoa dela. Mas Felicidade gentilmente explica a ele que no momento do martírio outro irá sofrer por ela. 
Sua amiga Perpétua na verdade nada sente quando é entregue aos touros selvagens. Ela é momentaneamente poupada antes de sair do êxtase do Espírito, como se acordasse de um profundo sono. E as mártires, antes de enfrentarem a morte juntas, trocam um beijo de paz, como durante a liturgia eucarística.
Para o cristão autêntico a morte não existe. Ele se lança no Cristo Ressuscitado. Nele a morte é uma celebração da vida.
Felicidade estava grávida de oito meses quando foi presa. As dores do parto a acometem. Ela sofria muito e gemia. Um dos guardiões disse a ela, 'se você já está chorando assim, que será de você quando for atirada às feras selvagens?' Felicidade respondeu a ele, 'Então haverá outro dentro de mim que sofrerá por mim porque é por causa dele que estou sofrendo'.


Perpétua foi jogada ao ar primeiro (por um touro furioso). Ela caiu de costas. Assim que pode se sentar, ela prendeu os cabelos que haviam se soltado. Um mártir não pode morrer com os cabelos desalinhados, para não parecer que estivesse pesarosa no dia de sua glória. Então se levantou e notou Felicidade que parecia ter caído. Ela foi até ela, deu-lhe a mão e ajudou-a a levantar-se. Quando viram as duas de pé, a crueldade da multidão diminuiu. As mártires foram levadas para fora pelo portão dos Vivos.

Lá, Perpétua foi recebida por um catecúmeno, Rusticus, que era muito afeiçoado a ela. Ela parecia acordar de um sono profundo, tão longo havia sido o êxtase dela. Ela olhou em volta e perguntou: 'Quando seremos entregues ao touro? Quando lhe foi dito que isso já tinha ocorrido ela não pode acreditar e recusou-se a aceitar a evidência, até que viu em suas vestes e em seu corpo os traços da provação. Então ela chamou seu irmão e o catecúmeno. Disse a eles: 'Permaneçam firmes na fé. Amem-se uns aos outros. Não deixem nossos sofrimentos serem objeto de escândalo para vocês'.
O povo exigiu que as duas mesmo feridas, fossem trazidas de volta para a arena para que pudessem apreciar o espetáculo da espada perfurando seus corpos vivos. As mártires foram ao local que a multidão exigia. Deram-se o beijo da paz para consumar seu martírio, de acordo com o rito da fé. Permaneceram imóveis para receber o golpe fatal. (O Martírio de Felicidade e Perpétua, no ano 203, em Cartago, ed. Knopf-Kruger, p. 35-44.)